segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


 A chuva é Bamburucema.

Sábado a tarde foi uma daquelas tardes típicas da Amazônia, o céu fica cinza, a umidade aumenta, o cheiro de terra molhada exala, depois só é o barulhinho dela chegando, fazendo aquela batucada nas telhas.  
Ainda não tinha começado a chover, peguei o carro e desci pro guamá, pra casa do Mestre Nato, artista que eu conhecia desde a muitos anos, dos teatros da vida, onde mestre Nato costurava os sonhos da galera, nos seus figurinos e cenários, como em o Auto da Barca do Inferno do grupo Usina de teatro, se não me engano, lindo espetáculo! Depois que conheci o trabalho de mestre Nato, nunca mais vi a costura com os mesmos olhos! sempre o via como um artista plástico, estudei artes visuais na UFPA. Mas nesta tarde, que começou a chover assim que cheguei na casa dele,  fazendo com que eu me sentasse por um breve momento, conheci o mestre Nato de verdade. Uma pessoa pequena fisicamente, mas que emana uma energia gigante, a energia de uma arvore, um Baobá.  Com um olhar de criança e uma barba de rei mago, não tenho dúvidas de que ele é um ser encantado. Contou sobre seu trabalho, sobre sua vida no guamá, de como foi curado por Omolú após um acidente, sobre amores e desamores e assim a chuva foi afinando, puxando um outro tom, então nos dirigimos para o terreiro.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A nostalgia do existir

Hoje de manhã, o clima estava respirando vida. Sol ameno, ar frio das manhãs. Depois de levar o Iúca na escola resolvi saber porque tinha tanto papel no meu quarto. Fiz um festival de rasga e amassa, entre contas, propagandas, anotações sem sentido, receitas médicas, desenhos antigos e agenda velhas cheias de vidas anotadas, achei um livreto artesanal se apagando, ao ver o livro, uma sensação estranha, o livreto foi "plantado e nascido" como o autor mesmo dizia de sua transa com o mundo. Luciano Guerreiro é ou era um desses cavaleiros errantes, a caminhar armado de poesia e inventividade. Seu sotaque lhe entregava logo de cara, era artista pernambucano, da mais alta nobreza sertaneja, andarilho, poeta, escultor de casca de taperebazeiro. Lembro do dia em que ele e Felipe Maranhão atravessaram o rio Guamá à nado, da beira da UFPA até o Combú, coragem nunca foi problema para sua eterna Vida/performance. Uma vontade de viver como poucas. Amava os loucos , as putas e os vagabundos. 



                                    Oralidade Afro-brasileira!!

                                                                                                                    Chega Junto! 

domingo, 26 de janeiro de 2014

A Barbárie institucionalizada e os Bandidos de farda. Relatos de uma noite chuvosa.



Na noite de 24 de janeiro a policia militar de Belém do Pará deu mais um exemplo do seu despreparo e falta de respeito para com quem paga seu salário. Nesta noite de sexta-feira, jovens artistas e estudantes  promoveram mais uma  feira libertária, ocupando a praça do Carmo com exposição de artesanato, performances artísticas,  troca de produtos, audição de vinis, jam musicais e principalmente troca de afeto  e valorização do ser humano. A feira que já vinha acontecendo algum tempo, caminha na contramão da política de cultural, se é, que se pode chamar de cultura, as festas que são realizadas nas casas de show aos arredores da Praça do Carmo, espaço que deveria ser preservado e, no entanto, as casas de shows atraem centenas de jovens de classe média alta que transitam no espaço sem informação alguma sobre a historia daquele lugar, consumindo além de muito álcool, música com o volume acima do permitido para uma área de patrimônio histórico.  A criminalidade no bairro da cidade velha tem crescido na mesma velocidade em que cresce a conta bancária dos nossos governantes. É claro! É um bairro cercado por varias baixadas onde a população se multiplica sem acesso a informação de qualidade, educação, saneamento,  saúde,  e o mínimo de respeito. Você queria o que? Uma população de jovens bem vestidos e educados? Agora, o que vi nesta noite de sexta feira, foi medieval! Primeiro vi um artista ser agredido por está expondo seu corpo numa performance artística. Um grupo de seguranças vestidos de preto e com cassetetes na mão o agrediam com palavras homofônicas e ameaças, quando as pessoas em volta tentaram explicar do que se tratava, também foram agredidas com palavras e ameaças. Estes seguranças ( até agora me pergunto porque são chamados de seguranças se só causam desordem?)  ficam vigiando carros no local e exigindo cinco reais adiantado para os frequentadores das festas. Este tipo de cobrança é ilegal, é uma extorsão. Com a possibilidades de agressão por parte dos seguranças, os jovens então resolveram chamar a polícia. Eis o que aconteceu segundo meus olhos. O que eu vi foi o soldado Luigi Barbosa da Policia militar de Belém levando um jovem (Daniel) aos empurrões  acusando-o  de desacato, e na tentativa de obter explicações seus amigos e sua namorada foram respondidos com socos pontapés e armas em punho, daí em diante as ilegalidades não pararam, espancaram  uma mulher com mata leões, prenderam pessoas arbitrariamente e pra finalizar, solicitaram mais cinco viaturas para o local, o que resultava em dez viaturas e uns 25 soldados no total que desceram da viatura enlouquecidos espancando quem aparecia pela frente, batendo na cara das pessoas, encurralando-as  e dando tiros para frente. Isso mesmo!!!!, Não para o auto, para frente, rifando  vidas, do jeitinho que ele aprendeu na academia. Foi uma cena dantesca. Em meio às agressões, a tortura e a chuva intensa não tivemos como anotar nomes, filmar a grande parte, mas mesmo assim, todos nos encaminhamos para a delegacia naquela madrugada chuvosa, para além de registrar a violência sofrida, termos que assistir o cabo Luigi Barbosa ter que assinar o TCO como vítima. Realmente, compreendemos que todos que estão na polícia militar, são vitima de um sistema excludente que precisa de cães de guarda para proteger quem tem dinheiro. Mas no caso deste  aspirante, o melhor termo é incapacidade mesmo, já que ele além de ser de família “bem sucedida”, estudou em colégio marista, o melhor centro de cooptação de uma cultura cristã/eurocêntrica, (tudo isso pode se substituir por cultura racista e discriminatória), mesmo assim, hoje em dia o que ele é? Um pau mandado que agride mulheres e pessoas inocentes para tentar ter autoestima, ou reconhecimento do restante  da sua quadrilha. Agora me digam, é esta a policia que pagamos para manter a ordem? Para reprimir jovens em shoopings, praças e manifestações? Policias que na sua maioria, são corruptos, violentos e aproveitadores?
Também não consigo parar de pensar sobre o que é um corpo nu numa praça pública. Sobre como o corpo  nu, livre e feliz causa medo, incomodo, ao ponto de transtornar um ser humano. Pura balela! Até isso querem nos dizer como usufruir, só permitido ver corpos nus, entre quatro paredes, na televisão, no big brother, que subjuga a mulher e a coloca como um prato de carne na prateleira de um supermercado. Isso é imposição do colonizador, que tinham vergonha dos seus corpos fétidos e deformados pelas doenças do além mar. Mulheres. Não posso deixar de falar aqui, sobre como a cada dia que passa me encanta mais este SER. Que é beleza! Que gera a vida! Que mata e morre por amor! Que é leal aos amigos e seus verdadeiros amores e convicções. Arrepio-me e me encho de orgulho das mulheres que estavam no corpo a corpo com o dragão da maldade, guerreiras Icamiabas, morrerei contando a todos nossos descendentes o tamanho de vossa coragem, não preciso citar nomes pois nos sabemos os olhares que se cruzaram durante a batalha!!
Amo Vocês e continuemos a luta!

Rodrigo Ethnos

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fazendo NOSSA escola

Iniciou ontem no rundembo a oficina de toques de Angola com o Taata Waldir Mucalembê (taata kivonda da casa). A oficina tem o objetivo de transmitir os conhecimentos sobre os toques de angola para além do espaço religioso. Para nós afroreligiosos, cultura e religião são uma coisa só, "nossa fé e nossa cultura". Por isso a oficina é aberta, para todos os credos, etnias, generos, crianças, músicos e não-músicos, curiosos e afins.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

volta às aulas

Estamos iniciando o segundo semestre de 2012, momento de grandes reflexaões pra mim , já que vou para o segundo semestre trabalhando nas escolas públicas de Belém. Neste primeiro semestre posso dizer que tentei de tudo para transformar as minhas aulas de Artes em momento de aprendizagens desafiadores, instigantes e que principalmente falasse da nossa realidade. Tentei aulas de confecção e manipulação de malabares, sessões de cineclube, aulas praticas de desenho e estou tentando até agora proagramar aulas em outros espaços que não a sala de aula na sua estrutura tradicional. O PCN Artes garante que os alunos possam ter aulas de circo, capoeira, música, dança, mas a maioria das vezes as escolas não tem estrutura e sempre  tem turmas super lotadas, o que dificualta o trabalho do professor. Quem sabe se o governo construísse mais escolas e menos presídios, garantisse mais professores e funciaonários nas escolas esta situação mudasse.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A tradição africana para a formação de identidade. (todas as series)




Outra experiência que considero de suma importância na formação dos nossos jovens, em especial da juventude “preta” afrodescendente é a utilização de práticas culturais afrobrasileiras, e de sua metodologia tradicional para intervir nestas comunidades, fortalecendo, assim, sua identidade através das histórias de luta do povo. Há um mito de que na Amazônia os povos são em sua maioria indígenas. Na verdade os povos indígenas da Amazônia seriam mitos se não fosse a forte influência cultural deixada para seus descendentes não índios que ainda vivem na floresta. Sabemos, entretanto, que grande parte dos povos indígenas da Amazônia e do Brasil foram dizimados durante o processo colonizador. E os poucos grupos que restaram vivem em guerra para proteger suas pequenas reservas de grileiros e madeireiros. Já a presença africana que hoje em dia é grande maioria no povo amazônida parece não ser tão percebida assim. Será que é porque quando não estão ignorados pelo poder público em favelas, estão isolados em comunidades rurais, ribeirinhas e quilombolas distantes dos centros urbanos sem acesso a nada? Sabemos que houve uma política de embranquecimento no Pará exercida através dos códigos de posturas implementados pelo intendente Antonio Lemos. Sabemos que os Afrodescendentes paraenses, foram proibidos de cultuar seus Deuses, de manifestar sua música, sua dança e seus costumes, sendo reprimidos com violência e muitos foram obrigados a deixar suas casas para se refugiarem da opressão. Vicente Sales fala da fuga em massa de escravos para os interior da floresta,onde podiam viver a salvo do regime desumano da escravidão. Então hoje em dia é muito grande o numero de famílias afrodescendentes nestas comunidades distantes e as vezes isoladas dos centros urbanos. Em todas as ilhas que eu passei, nestes dois anos trabalhando no SOME, percebi que o que temos de mais importante na formação da nossa identidade, é justamente a consciência das nossas raízes ou no caso do Brasil, a consciência da miscigenação das três matrizes étnicas. E mais do que isso, conhecer profundamente os conflitos existentes durante essas transformações. Encontrei ribeirinhos descendentes de povos indígenas, de povos africanos, de portugueses e todo o fruto da mistura destes três povos, mas encontrei também o racismo ainda imperando, resguardado nas garras da desigualdade pois todas as famílias afrodescendentes apresentavam condições de vida precárias e sempre inferiores às de uma família ribeirinha branca. Condição essa que sabemos ter causas históricas e que necessita de uma reparação justa para construirmos um Estado democrático e buscarmos diminuir as desigualdades. Esta condição afeta sem sombra de dúvidas a estima desta juventude, que por ser pobre, preta ou cabocla, acaba por se achar inferior e incapaz. Isso se fortalece ainda mais pelo contato deste jovem com a mídia, que desenvolve uma programação que de forma alguma se assemelha ou se aproxima da realidade amazônica. A televisão é um veículo de comunicação que divulga padrões eurocêntricos de comportamento, beleza, cultura e etc. Então, considerando que a estatura da mulher amazônida é mediana, a cor da sua pele varia do marrom para o preto e seu cabelo é enrolado, como esta jovem pode se sentir bonita com a TV dizendo que ser bonito é ser branco, alto, loiro de olhos azuis? A beleza nórdica das atrizes globais? O mesmo acontece com o gênero oposto. Então o que percebi foi certo desconforto ao tratarmos deste assunto em sala de aula, pois o jovem, mesmo tendo a pele preta não quer se identificar com a estória de um povo escravizado ou com a estória de um povo considerado inferior por ter outra cultura como os povos indígenas.

A Capoeira angola

A capoeira angola que se reestrutura no final do século XVIII na Bahia através do grande Mestre Pastinha, é um dos maiores movimentos de resistência cultural afrodescendente no Brasil. Conhecida como a capoeira mãe por preservar de forma mais rígida os valores africanos, esta capoeira manteve uma estrutura pedagógica completa, onde o capoeirista (estudante) assimila os valores ancestrais africanos como o respeito à vida, aos mais velhos, as mulheres e crianças, a não violência através do exercício do corpo e da mente, e a musicalidade. A hierarquia é baseada no respeito aos mais velhos, pois eles guardam a tradição. A circularidade, também fundamento africano, é usada como metáfora da vida, onde todos ocupam posições iguais na roda, mas também, todos estão sujeitos a mudanças “na volta que o mundo dá”. A capoeira é uma manifestação que surge no Brasil como arma do escravo africano contra as atrocidades dos feitores, foi usada para proteger os quilombos e hoje e uma arma contra a falta de oportunidade dos jovens. Através da capoeira pude abordar a história dos grandes heróis pretos na luta contra a escravidão como Zumbi dos Palmares. Pude falar sobre a África, sobre seus reis e rainhas, sobre suas tecnologias milenares e sobre a diversidade cultural que ela representa. A intenção deste conteúdo é justamente fortalecer a identidade deste aluno, fazer com que ele tenha orgulho da sua cor, da estória de luta do povo afrodescendente no brasil e prepará-lo para saber identificar o racismo velado que assola a sociedade brasileira. Lembro que gostava de terminar as aulas sobre a “A verdadeira formação cultural do Brasil” com a seguinte frase: -“ Quem tem pele preta pode ser descendente de grandes reis e rainhas africanos como a grande rainha N´zinga.”

A lei 10.639

Está lei é muito importante, pois muitas escolas e seus gestores, professores e responsáveis ainda possuem a mentalidade de que aula boa é aquela que mantém os alunos todos sentados dentro da sala de aula. E foi muito comum ouvir comentários de que capoeira não fazia parte do conteúdo de artes. Mas os parâmetros curriculares dizem que temos que colocar os estudantes em contato com a diversidade da produção artístico-cultural da humanidade. E esta lei garante o exercício destas práticas como políticas de afirmação e sem termos que mudar sua metodologia tradicional, que é o aprendizado através da imitação, do contato direto com o estudante, através da oralidade e da musicalidade, esses são os fundamentos que tem que ser preservados. Ou será que a capoeira terá que ser ensinada no quadro negro por estar num espaço escolar? E a capoeira, para o bom conhecedor, é uma Arte, uma Arte afrodescendente muito diferente da lógica artística eurocêntrica.
Registro das ações:

http://rundembogunzotibamburucema.blogspot.com/


Rodrigo Ethnos
Professor/artista