quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A tradição africana para a formação de identidade. (todas as series)




Outra experiência que considero de suma importância na formação dos nossos jovens, em especial da juventude “preta” afrodescendente é a utilização de práticas culturais afrobrasileiras, e de sua metodologia tradicional para intervir nestas comunidades, fortalecendo, assim, sua identidade através das histórias de luta do povo. Há um mito de que na Amazônia os povos são em sua maioria indígenas. Na verdade os povos indígenas da Amazônia seriam mitos se não fosse a forte influência cultural deixada para seus descendentes não índios que ainda vivem na floresta. Sabemos, entretanto, que grande parte dos povos indígenas da Amazônia e do Brasil foram dizimados durante o processo colonizador. E os poucos grupos que restaram vivem em guerra para proteger suas pequenas reservas de grileiros e madeireiros. Já a presença africana que hoje em dia é grande maioria no povo amazônida parece não ser tão percebida assim. Será que é porque quando não estão ignorados pelo poder público em favelas, estão isolados em comunidades rurais, ribeirinhas e quilombolas distantes dos centros urbanos sem acesso a nada? Sabemos que houve uma política de embranquecimento no Pará exercida através dos códigos de posturas implementados pelo intendente Antonio Lemos. Sabemos que os Afrodescendentes paraenses, foram proibidos de cultuar seus Deuses, de manifestar sua música, sua dança e seus costumes, sendo reprimidos com violência e muitos foram obrigados a deixar suas casas para se refugiarem da opressão. Vicente Sales fala da fuga em massa de escravos para os interior da floresta,onde podiam viver a salvo do regime desumano da escravidão. Então hoje em dia é muito grande o numero de famílias afrodescendentes nestas comunidades distantes e as vezes isoladas dos centros urbanos. Em todas as ilhas que eu passei, nestes dois anos trabalhando no SOME, percebi que o que temos de mais importante na formação da nossa identidade, é justamente a consciência das nossas raízes ou no caso do Brasil, a consciência da miscigenação das três matrizes étnicas. E mais do que isso, conhecer profundamente os conflitos existentes durante essas transformações. Encontrei ribeirinhos descendentes de povos indígenas, de povos africanos, de portugueses e todo o fruto da mistura destes três povos, mas encontrei também o racismo ainda imperando, resguardado nas garras da desigualdade pois todas as famílias afrodescendentes apresentavam condições de vida precárias e sempre inferiores às de uma família ribeirinha branca. Condição essa que sabemos ter causas históricas e que necessita de uma reparação justa para construirmos um Estado democrático e buscarmos diminuir as desigualdades. Esta condição afeta sem sombra de dúvidas a estima desta juventude, que por ser pobre, preta ou cabocla, acaba por se achar inferior e incapaz. Isso se fortalece ainda mais pelo contato deste jovem com a mídia, que desenvolve uma programação que de forma alguma se assemelha ou se aproxima da realidade amazônica. A televisão é um veículo de comunicação que divulga padrões eurocêntricos de comportamento, beleza, cultura e etc. Então, considerando que a estatura da mulher amazônida é mediana, a cor da sua pele varia do marrom para o preto e seu cabelo é enrolado, como esta jovem pode se sentir bonita com a TV dizendo que ser bonito é ser branco, alto, loiro de olhos azuis? A beleza nórdica das atrizes globais? O mesmo acontece com o gênero oposto. Então o que percebi foi certo desconforto ao tratarmos deste assunto em sala de aula, pois o jovem, mesmo tendo a pele preta não quer se identificar com a estória de um povo escravizado ou com a estória de um povo considerado inferior por ter outra cultura como os povos indígenas.

A Capoeira angola

A capoeira angola que se reestrutura no final do século XVIII na Bahia através do grande Mestre Pastinha, é um dos maiores movimentos de resistência cultural afrodescendente no Brasil. Conhecida como a capoeira mãe por preservar de forma mais rígida os valores africanos, esta capoeira manteve uma estrutura pedagógica completa, onde o capoeirista (estudante) assimila os valores ancestrais africanos como o respeito à vida, aos mais velhos, as mulheres e crianças, a não violência através do exercício do corpo e da mente, e a musicalidade. A hierarquia é baseada no respeito aos mais velhos, pois eles guardam a tradição. A circularidade, também fundamento africano, é usada como metáfora da vida, onde todos ocupam posições iguais na roda, mas também, todos estão sujeitos a mudanças “na volta que o mundo dá”. A capoeira é uma manifestação que surge no Brasil como arma do escravo africano contra as atrocidades dos feitores, foi usada para proteger os quilombos e hoje e uma arma contra a falta de oportunidade dos jovens. Através da capoeira pude abordar a história dos grandes heróis pretos na luta contra a escravidão como Zumbi dos Palmares. Pude falar sobre a África, sobre seus reis e rainhas, sobre suas tecnologias milenares e sobre a diversidade cultural que ela representa. A intenção deste conteúdo é justamente fortalecer a identidade deste aluno, fazer com que ele tenha orgulho da sua cor, da estória de luta do povo afrodescendente no brasil e prepará-lo para saber identificar o racismo velado que assola a sociedade brasileira. Lembro que gostava de terminar as aulas sobre a “A verdadeira formação cultural do Brasil” com a seguinte frase: -“ Quem tem pele preta pode ser descendente de grandes reis e rainhas africanos como a grande rainha N´zinga.”

A lei 10.639

Está lei é muito importante, pois muitas escolas e seus gestores, professores e responsáveis ainda possuem a mentalidade de que aula boa é aquela que mantém os alunos todos sentados dentro da sala de aula. E foi muito comum ouvir comentários de que capoeira não fazia parte do conteúdo de artes. Mas os parâmetros curriculares dizem que temos que colocar os estudantes em contato com a diversidade da produção artístico-cultural da humanidade. E esta lei garante o exercício destas práticas como políticas de afirmação e sem termos que mudar sua metodologia tradicional, que é o aprendizado através da imitação, do contato direto com o estudante, através da oralidade e da musicalidade, esses são os fundamentos que tem que ser preservados. Ou será que a capoeira terá que ser ensinada no quadro negro por estar num espaço escolar? E a capoeira, para o bom conhecedor, é uma Arte, uma Arte afrodescendente muito diferente da lógica artística eurocêntrica.
Registro das ações:

http://rundembogunzotibamburucema.blogspot.com/


Rodrigo Ethnos
Professor/artista

Sessões de cineclubismo e o direito ao acesso as novas tecnologias



O cineclubismo é um movimento cultural que já atua há muitos anos no Brasil e consiste em organizar sessões de cinema e promover diálogos sobre o tema do filme e sobre o próprio cinema. Pelo seu caráter esclarecedor, crítico e revolucionário o cineclubismo passou a ser uma excelente ferramenta para os movimentos sociais que vêem nesta atividade uma forma de se contrapor a hegemonia midiática das grandes corporações. Como eu já trabalhava produzindo um cineclube em um centro afro-religioso e resolvi que faria sessões nas ilhas de Abaetetuba também. Eu estava iniciando no movimento cineclubista paraense, que é muito atuante tendo vários cineclubes funcionando e várias organizações como a PARACINE, Federação Paraense de Cineclubes que representa uma boa parte destes cineclubistas no CNC, Conselho Nacional de Cineclubes. O poder informativo e pedagógico de uma ação cineclubista se constrói na reunião de pessoas e a comunhão delas através do cinema, utilizando esta ferramenta para além do entretenimento alienado. Como havia dito, eu estava iniciando no movimento, ainda conhecia poucas ações cineclubistas voltadas para o espaço escolar, voltadas para as ilhas da Amazônia menos ainda. Devido a geografia do lugar e a dificuldade de acesso, as ilhas de Abaetetuba ainda se abastecem de energia gerada por motores a diesel ou gasolina o que não dava garantias para se ter uma energia estável, o que me preocupava muito pois até hoje ainda estou pagando o meu projetor e a caixinha de som que comprei para realizar as sessões. Mas o problema foi resolvido com uma régua estabilizadora. Este problema! Já realizar as sessões era uma aventura épica. Primeiro, atravessar baias, furos e igarapés em canoas, rabudos e rabetas com equipamentos que ainda não estavam nem pagos. As embarcações construídas pelos ribeirinhos são muito boas e seguras, pelo menos para aqueles que tem condições de ter esses bens e de mantê-los. Como nos últimos anos, aumentou o poder de aquisição destas famílias, gerando mais acesso a créditos e financiamentos, isso possibilitou um aumento no numero de embarcações a motor e o tráfego em algumas partes dos rios. A construção das embarcações assim como pilotá-las é um aprendizado que passa de pai para filho, ou seja, aprende-se com a prática, com isso, hoje em dia é comum ver crianças pilotando essas embarcações nos rios de Abaetetuba, o que aumenta também, o número de acidentes fluviais nesta região. E fazendo parte desta estatística, o professor que vos fala com todos os equipamento do cineclube. A estória só teve um final feliz graças à tripulação e ao comandante “Garça”, no caso, eu e a mãe dele que tivemos iniciativa de remar até à margem enquanto o comandante tentava tapar o buraco no fundo do barco, aberto depois de colidirmos com uma outra rabeta (embarcação) que vinha na contramão do rio, pilotada por um jovem, que por coincidência estudava na escola que trabalhávamos naquele momento. Quando conseguimos alcançar a margem arremessei os equipamentos do cineclube para um arbusto. É claro que eu estava preparado para essas situações quando decidi fazer esse trabalho. Depois de assegurar a integridade física dos equipamentos comecei a pensar em como expandir esta aula para a comunidade? Como fazer com que o cineclube seja atuante na comunidade? Desenvolvi a seguinte estratégia para trabalhar com os alunos da 7ª série e 8ª series do ensino fundamental. Primeiro apresentei a eles um breve histórico do movimento cineclubista, sobre o seu poder de informação e de conhecimento. Depois apresentava os equipamentos, fazendo eles ligarem e desligarem os equipamentos ,conectarem os cabos, saber quanto custa, como paguei e que principalmente, pra mim, aquilo tinha sido um investimento naquele momento de troca de saberes. Percebi de inicio, que para alguns estudantes aqueles equipamentos pareciam ser maquinas caríssimas e complicadas de manusear, então foi importantíssimos certos esclarecimentos, mas também coloquei que aqueles equipamentos deveriam ser cedido pelas escolas, todas as escolas devem ter acesso a esses equipamentos, é um direito dos estudantes e que precisávamos ter consciência daquilo pra poder garantir a mudança. Falamos sobre os gêneros do cinema, documentário, ficção, dramas, comédia, tipos de filmes, hollywoodianos, clássicos, brasileiros, desenhos, animações .Escoliamos três gêneros para assistir e discutir a relevância de determinado filme para a localidade. Depois de escolher o filme, discutíamos como iriamos divulga-lo na localidade e designávamos funções do tipo, quem iria girar o motor de energia, quem esticaria a panada, quem cuidaria do livro de assinaturas e fazíamos coleta pra comprar óleo caso a escola não tivesse. Nestas discussões tínhamos que escolher um horário que fosse de acordo com a maré, pois ela enche e seca todos os dias, e se a maré baixasse muito, alguns furos secariam não permitindo a volta de alguns para suas casas. Mas os alunos conhecem o rio como conhecem a si mesmo, e sabiam o tempo exato que podiam ficar. Para divulgação estudávamos sobre os cartazes, sua historia e como produzi-los usando materiais e técnicas de baixo custo como pintura, molde vazado, colagens. Os alunos produziam os cartazes e levavam pra fixa-los próximo a suas casas, em pequenos comércios e nas igrejas. No dia da exibição constatei que a ação tinha dado certo, apesar de alguns contratempos, estávamos realizando a sessão com a presença dos pais e da comunidade. Também constatei a eficiência e a importância daquela ação enquanto pratica politica e principalmente transformadora na educação formal.Todos os registros desta ação pode ser visualizado no linck abaixo.

https://picasaweb.google.com/112206777797826368796/CineclubeCabanoNoRioDoce#



Rodrigo Ethnos
Professor/artista